segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Conversas com a Escrita: Estórias (Para Adultos) Infantis

BIBLIOTECA MUNICIPAL DO SEIXAL



Conversas com a Escrita com Xico Braga
Lançamento do livro "Estórias (Para Adultos) Infantis"
Dia 26 de Setembro, pelas 16 horas, na Galeria Augusto Cabrita - Fórum Cultural do Seixal

Nota biográfica

Nasceu em 1950.
Professor desde 1979, desenvolveu a sua actividade, durante vinte anos, no Concelho do Seixal. Dedicou-se à divulgação da fotografia nas escolas, promovendo Cursos de Iniciação e a realização de Exposições e encontros com fotógrafos. Foi um dos responsáveis pelo jornal da escola Moinho de Maré “O Celeiro”, tarefa que o encantou.
Em 1998, depois de um enfarte, lembrou-se de que queria “ser escritor quando fosse grande” e escreveu o seu primeiro livro de poesia, acreditando que seria o único. Como continuou por cá, foi escrevendo e desafiando amigos para a escrita. Recebeu a medalha de Mérito Cultural, da Câmara Municipal do Seixal, em 2004. Em 2005, descobriu que é giro ser avô e o prazer de escrever estórias para crianças.
Não consegue perdoar que tenham fechado a sua escola. Nem outras coisas.

Das Estórias (Para Adultos) Infantis

Estes sete contos de Xico Braga, mais os dois poemas que os acompanham (o primeiro, talvez, com inspiração na poesia erótica de Bocage e ao gosto popular) não escondem qualquer ambiguidade — o título diz tudo: Estórias (para adultos) infantis. Destinatários escolhidos e intenções expressas, como ocorre na subversão narrativa de O Lobo e o Capuchinho Vermelho e Outras Histórias Eróticas Escritas por Mulheres (mulheres que são autoras de renome, como George Sand), ou nas Histórias Tradicionais Politicamente Correctas de James Finn Garner.

Estórias (Para Adultos) Infantis de Xico Braga são essencialmente relatos onde Eros, tão só uma componente, irrompe como que por casualidade e, com a mesma discrição que chega, com a mesma discrição se consuma e o autor passa a outra história, uma outra, e outra ainda para… adultos infantis. O primeiro conto desenvolve-se em torno de uma lição de vida sobre a urbanidade e lisura que se deve considerar nas relações fazendo jus ao adágio popular: “ovelha que barrega perde o bocadel”; lição aprendida e tem depois o animal pasto que o satisfaça. Se assim não fosse, dificilmente as personagens de Estórias (para adultos) infantis teriam para contar e, “inglória, inglória” (ao inverso do que dizem os contadores tradicionais), não havia nem fim, nem história. O conto “A mesa de cozinha” desperta na imagética cinéfila memórias do filme O carteiro toca sempre duas vezes. Toca sempre duas vezes, para não deixar de ser ouvido; como Xico Braga, não com dois mas com estes sete contos e um par de poemas, não pode deixar de ser lido e de continuar a escrever. Pode-se reencontrar nestas histórias uma certa ludicidade, uma plenitude satisfeita, talvez porque, como no imaginário das histórias para crianças, também os adultos precisam de encontrar na leitura um espaço de evasão, de tranquilidade reencontrada. E estes contos não transmitem tanto uma “tensão libidinosa”, mas antes um sorriso de cumplicidade indulgente ou ironia pelos contextos e desenvolvimentos destas pequenas narrativas. Mas a idealização nostálgica ou construída da infância não visa o reencontro com um tempo sem pressões e com a crença na possibilidade de materialização de desejos? Se Estórias (para adultos) infantis é um título que pode fazer cócegas à curiosidade do leitor, o livro lê-se com tranquila satisfação. Nele tudo decorre sem dramas, sem excitações, sem comprometimentos (e decorrentes complicações e catarses), como se a naturalidade do espaço de entorno de cada narrativa se plasmasse nos encontros e relacionamentos que se sucedem.

Estórias (Para Adultos) Infantis são cuidadosamente pescadas à linha, com um anzol que, nestas páginas, indiferentemente vai prendendo, em momentos sensuais, os protagonistas: artistas, pessoas comuns, tainhas, redes de um bordado e, reiteradamente, o próprio leitor que fica, tal como a personagem do conto “O meu sorriso”, refastelado, “coçando a alma com a revisão de alguns poemas acabadinhos de escrever”. Histórias bem-humoradas, onde se pressente a presença do “era uma vez”, do tempo do faz-de-conta, do que existia sem sombra de pecado, sem sombra de SIDA e outras assombrações que não fossem as urgências de uns biscates, uns apertos de dinheiros ou vagas incertezas de emprego. Toda uma irrealidade difusa, como aquela que só na infância se pode percepcionar e que, no mundo a sério, o dos crescidos, não tem já lugar. Alguma coisa aqui Xico Braga tinha de escrever para adultos, mas saiba-se lá se o fez! Tal como convenções artísticas se quebram, como géneros literários se diluem e fundem, também a heterogeneidade entre jovens leitores e leitores adultos se esbate. E interrogamo-nos: então, isto é que são histórias para mim, que sou adulto? Tal como a tradição, as coisas também já não são como eram. Se calhar, estas histórias são mesmo para adultos infantis, porque outros, no fundo, não há, e gente adulta, verdadeiramente a sério, pode lá embarcar na suspensão da realidade que, a cada passo, irrompe na escrita e na arte!

Vera Silva

Eu vi um esquilo azul

“A natureza favoreceu-me, e os inexplicáveis olhos verdes com que nasci – a genética nunca entrou nas tentativas de explicação que o meu bairro encontrou para este facto –, depois do longo treino que lhes dei até à perfeição deste meu meio franzido olhar, têm explicado o meu sucesso entre as benditas das mulheres. Nenhuma me escapa, se é que me entendem! quando lhes lanço a mirada. Aguço-lhes a vontade de se fazerem encontradas comigo e, muito à conta disso, tornei-me exímio pé de dança em tudo o que é baile das colectividades das freguesias ao redor do meu umbigo. Muita maminha atarraxei ao meu peito a dançar esses slows inventados para nos atazanarem ainda mais o desejo, se isso é possível! e muita maminha pus ao léu em posteriores encontros de combinação segredada entre a dolência dos compassos. Por aqui me fico, por enquanto. Tenho esta fama, e proveito! de irresistível. Uma outra qualidade também explica o meu sucesso: eu não sou um gabarola. Não escondo, mas não exibo as minhas conquistas. A minha intimidade, essa, é tabu. Todas as moças que catrapisco sabem que, o que vivemos, comigo morre. É qualidade, a arte de guardar segredo. Aprendi-a à minha custa, em duas valentes bofetadas que o bruto do pai da Teresa me pregou, depois da minha rábula exibicionista entre os meus amigos. Tinha eu treze anos e partia para a descoberta dos prazeres que os corpos das mulheres encerram desde que a Eva, em bendita hora! se atreveu a comer a proibida maçã. A Teresa! Que será feito dela? Foi para Beja com os pais, há uns bons anos, e nunca mais a vi. Que pena! Era tão linda! Que treze anos de promessas ela mostrava, fazendo-nos, a todos, andar pelo beicinho, no nascer dos nossos primeiros amores de quase adolescentes. “Eu vou beijá-la toda” disse eu, em desafio. “Uma aposta que não consegues”. Foi assim, neste tom de mostrar quem é que é bom, que eu me aventurei a confiar na força do meu olhar esverdeado e a lançar-me na aventura de conseguir uma encontro com a Teresa, na casa dela, depois das aulas, com a esfarrapada desculpa de ela me ajudar num trabalho de Geografia. Ela percebeu logo, pois quando, fechada a porta nas minhas costas, lhe peguei na mão e a puxei para mim, foi ela que lançou os lábios contra os meus e se apertou a mim, acendendo-me um fogo nunca antes sequer imaginado.”

Xico Braga

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